Capítulo 10 – Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso, tempo tempo tempo tempo, quando o tempo for propício

No sábado, Solange dormiu em minha casa como havia prometido, mas, no domingo, achei por bem liberá-la desta obrigação, que mesmo ela dizendo que fazia com prazer, me sentia abusando da sua boa vontade.

Ela foi para casa, mas ligava pra mim várias vezes por dia pra se assegurar que estava tudo bem.

A semana começou atribulada. No final da segunda-feira, a sensação que eu tinha era que já era sexta, tal o meu nível de estresse.

Saí do trabalho e liguei para Marcos e Marina. Nos encontramos no bar de sempre. A conclusão que chegamos é que a situação era grave, pois estávamos fazendo um happy hour em plena segunda-feira, mas como a sensação era de sexta-feira, estávamos dentro da margem de erro.

Consegui passar em branco naquela noite. A grande estrela foi Marina, que trouxe uma história daquelas de que só Marina conseguia ser personagem. Dessa vez, ela tinha arrumado um pretendente no cemitério, durante um enterro. O que me provou, mais uma vez, que o destino pode se atravessar na nossa frente a qualquer momento e em qualquer lugar.

Eu e Marcos tentávamos acompanhar a história de Marina, mas confesso que a narrativa parecia cada vez mais surreal. Enquanto eu me esforçava para não perder o fio da meada, meu celular interrompeu a conversa.

– Alô?

– Oi Lu, tudo bem? – perguntou Carol.

– Tudo – respondi sem saber muito bem ainda como lidar com essa nova situação, na qual não éramos oficialmente nada, mas também não agíamos mais como inimigas.

Marina fazia movimentos labiais perguntando quem era. Quando respondi, ela e Marcos começaram a prestar atenção em cada palavra que eu dizia.

– Você já está em casa? – quis saber.

– Não. Estou acompanhando Marcos e Marina numa cerveja – respondi.

– Será que eu podia ver você? – ela perguntou.

– Agora? – respondi sem saber o que dizer.

Olhei para os meninos como se precisasse de ajuda para responder. Os dois, então, fizeram sinal para que eu dissesse que sim.

– Bom, pode, você encontra a gente aqui? – quis saber.

– Sim. Vocês estão no lugar de sempre? – perguntou.

– Estamos – confirmei.

– Em 10 minutos chego ai – falou.

Bastou eu desligar o telefone para os dois dizerem que eu devia dar uma chance a Carol. Eu expus meus argumentos e então concluímos que o melhor era ir devagar para ver no que dava.

Carol chegou rápido, falou com os meninos, me cumprimentou com um beijo no rosto e sentou na cadeira ao meu lado. Marina perguntou se ela queria tomar uma cerveja, mas ela recusou sob o argumento de que estava dirigindo. Ela ficou por lá cerca de 1 hora e se despediu, alegando que já estava tarde e que no dia seguinte teria que acordar cedo para dar aula.

Novamente se despediu de mim com um beijo no rosto e antes de ir embora me perguntou:

– Solange vai dormir na sua casa?

– Não – respondi.

– Você vai ficar bem sozinha? – questionou.

– Ainda não sei, mas na dúvida, só pretendo sair daqui quando estiver com muito sono – esclareci.

– Por que você não liga pra Solange e pede a ela pra ir ficar com você? – sugeriu.

Ao ouvir essa frase, Marcos e Marina não conseguiram disfarçar a surpresa e olharam para Carol como se tivessem acabado de escutar uma aberração.

E, de fato, essa frase era, no mínimo, inusitada, vinda de Carol.

Diante dos olhares espantados, Carol tentou se explicar.

– Bom, eu estou à disposição e gostaria de poder ajudar, mas não sei se você se sentiria à vontade, então…

Os olhares agora se voltavam para mim, à espera da minha resposta.

– Olha, acho que vou ficar bem sozinha, mas obrigada pela preocupação – respondi abraçando-a.

Ela então se despediu e partiu.

Não preciso nem dizer que essa história rendeu o resto da noite. E a conclusão foi que ela, de fato, estava tentando de todas as formas se redimir. Estava tão empenhada, que o altruísmo tornou-se sua principal característica.

Eu continuava reticente quanto à decisão de reatar, no entanto, reconhecia os esforços dela.

Voltei para casa e desabei na cama. Acordei duas vezes durante a madrugada, mas no geral o saldo desta primeira noite foi positivo.

No outro dia, Carol mandou uma mensagem na hora do almoço, perguntando se eu tinha algo marcado para mais tarde. Eu respondi que não e ela perguntou se podíamos jantar juntas. Enquanto eu pensava no que responder, Solange me ligou perguntando como as coisas estavam indo. Eu então contei da noite anterior e do convite para logo mais, de modo a colocá-la a par das novidades. Ela então disse:

– Quer saber minha opinião?

Na verdade era tudo que eu queria, mas não tive coragem de perguntar para não parecer folgada, mais do que já estava me sentindo!

– Sim – respondi.

– Acho que você deve aceitar.

– Mas não é muito cedo?

– Vê qual é, Lu. Concordo que você deva ir devagar, mas precisa dar espaço para ela tentar, ou então, nunca vai saber o final da história. Você só vai até onde quiser.

– Obrigada viu? Não sei nem como te agradecer.

– Não precisa agradecer. Só quero te ver feliz. Assim que puder me dê notícias, ok?

– Dou sim. Pode deixar!

Desliguei o telefone, escrevi sim e apertei o botão enviar. Imediatamente, ela respondeu:

– Às 21h, na sua casa? Eu levo a comida.

Acho que eu preferia um local público, do qual pudesse sair a qualquer momento. Ainda me sentia pouco à vontade em recebê-la sozinha na minha casa.

– Pensei em alguma coisa mais cedo, em outro lugar – respondi tentando me proteger de algo que se parecesse com um encontro.

– Por mim tudo bem, você tem alguma sugestão? – perguntou.

– O que você acha do café da livraria? – perguntei.

– Acho ótimo! Às 19h fica bom pra você? – quis saber.

– Pode ser, vou daqui do escritório direto.

– Então, até mais tarde – despediu-se.

– Um beijo – soltei, meio sem graça.