Capítulo 3 – Como esta noite findará e o sol então rebrilhará

Quando amanheceu, nós estávamos no chão da sala. Acordei incomodada pelo sol que entrava pela fresta da cortina e se acomodava justamente em meu rosto.

Olhei para o lado e Solange dormia, acomodada em uma almofada. Olhei pra ela e agradeci em silêncio pela paciência que fez com que aquela noite acontecesse.

Antes de tomar uma atitude em prol do nosso conforto, me certifiquei de que meu cérebro estava devidamente acordado e resolvi tentar entender se havia em mim alguma ponta de arrependimento.

Não. Não havia arrependimento, mas uma insegurança de quem tinha acabado de romper uma fronteira e pisar em terras desconhecidas. Isso me deixava inquieta e ansiosa. Fazendo um balanço do que havia acontecido, a conclusão era de que a noite tinha sido ótima. Solange parecia ter lido o meu manual de instrução. Ao mesmo tempo em que tudo correu de forma muito natural, parecia que cada movimento havia sido ensaiado para não dar errado, para não me tirar do eixo.

E funcionou.

Funcionamos.

Acho que foi bom para nós duas. Eu estava precisando desencantar e Solange era a pessoa certa para isso.

O que eu tinha agora era uma sensação egoísta de dia seguinte, completamente atípica em relação a mim. Não sei definir, mas parecia descompromisso.

Na verdade, eu nunca em minha vida havia passado uma noite com alguém com a qual não tivesse certeza do que queria. E agora eu estava justamente na situação oposta. Não sabia o que era aquilo e a sensação de ter sido uma transa me deixava incomodada, mas, ao mesmo tempo, não queria entrar numa relação agora.

Estava incomodada por mim e por ela, embora também não soubesse o que aquilo significava para ela.

Pela primeira vez na vida, talvez tivesse sido somente sexo e mais nada.

Quanto mais eu pensava, mais sentia minha cabeça esquentar. Pela situação em si e pelo sol que batia cada vez mais forte no meu rosto.

O desconforto àquela altura já era interno e externo. Olhei para Solange e pensei em acordá-la para irmos para a cama, no entanto não sabia se queria enfrentar o dia seguinte tão cedo, às 7h da manhã.

A coisa certa a fazer venceu mais uma vez, até porque, independente do que fosse daqui para frente, a noite tinha sido ótima e até então ela era a pessoa mais correta que havia aparecido na minha vida nos últimos sete anos. Passei a mão pelos cabelos dela e ela se mexeu, mas não abriu os olhos. Então, aproximei-me mais um pouco e beijei-lhe o ombro e depois o pescoço.

Ela abriu os olhos e a primeira coisa que disse foi:

– Está tudo bem com você?

– Está, sim – Disse sorrindo, enquanto procurava uma posição mais confortável no chão duro.

– Que bom acordar com você rindo! – Ela disse, erguendo a cabeça e apoiando-a sobre a mão.

– Te acordei para irmos para a cama porque esse sol tá me incomodando! – reclamei.

– Seu desejo é uma ordem. Ainda está cedo e hoje é domingo, dia de ficar na cama até mais tarde. Vamos!

Ela levantou e me deu as mãos para me ajudar a sair da horizontal. Me ergui, catando as roupas jogadas no chão. Ela olhou pra mim e disse:

– Prefiro você sem – falou apontando para as roupas em minhas mãos.

– Ainda bem, porque não pretendo colocá-las agora – disse, abraçando ela.

Ela estava de camiseta e calcinha, mas mesmo assim pude sentir os seios dela tocando os meus. Durante o abraço, ela alisou minhas costas, afagou meu cabelo e fomos andando abraçadas para a cama. Ela ligou o ar-condicionado e nos enfiamos embaixo do edredom. Deitei de bruços e ela passou a mão nas minhas costas, como se estivesse fazendo um desenho. Adormeci rápido, vencida pelo carinho.

Acordei de novo às 11h da manhã e, quando procurei Solange ao meu lado, ela não estava mais. Levantei, arrastando o edredom como se fosse um vestido e segui o barulho que vinha da cozinha.

Achei ela montando um prato que parecia saído de um programa de receitas da GNT. Quando ela me viu, tirou os olhos do alface que segurava e disse:

– Bonito vestido, vai sair?

– Engraçadinha. Que cheiro bom! O que é isso? – perguntei, roubando uma azeitona.

Ela bateu na minha mão, em sinal de repreensão.

– Nosso almoço. Salada e salmão grelhado. O que você acha? – perguntou.

– Eu acho fantástico, até porque estou morrendo de fome – respondi pegando uma folha de alface.

– Então senta aí, que o almoço já vai sair – avisou ela.